Onde Está o Amor?
Edigles Guedes
I.
Eu me pergunto: o que é amar?
E a resposta sincera, vem depois.
Amar é doar, se doar à pessoa amada.
Nada mais, nada menos do que isso;
No entanto, no nosso egocêntrico mundo,
Mesquinho por natureza e consumista por opção,
Esquecemos o que é verdadeiramente amar.
Sendo assim, esquecemos ou somos pegos de surpresa,
Ao nos deparamos com atitudes inconcebíveis,
Tais como, olhar para os nossos umbigos unicamente,
Sem percebermos o umbigo do vizinho,
E olhamos para os nossos nédios ventres tristemente,
Sem notarmos o roto ventre descarnado do vizinho.
Se você ou eu beijarmos uma árvore num bosque qualquer,
Muitos dirão que estamos loucos. Aliás, as pessoas de hoje
Não têm tempo para amar a outrem, a quem se chama próximo,
Quanto mais a Natureza que os circunda!... Não, realmente, as pessoas
Não tem tempo, não tem dinheiro, e economizam gestos fraternais.
Poupar é preciso, demonstrar carinho, amor e respeito a outrem, isso não!
Poupemos as lágrimas pelas crianças mortas
Nas guerras do Golfo!…
Poupemos as lágrimas pelas mães desfilhadas
Nas guerras pelo tráfico de entorpecentes nas favelas do Rio de Janeiro!…
Poupemos as lágrimas pelas vítimas desventuradas
Na guerra pela fome, uma fome secreta e nua, que esconde a falta de proteínas,
De vitaminas básicas para a sobrevivência humana!…
Poupemos as lágrimas pelos úberes das mulheres africanas,
Que já não amamentam mais, pela desnutrição, pela falta de água,
Pela peste sorrateira do século vinte — o famigerado vírus da Aids!
Poupemos as lágrimas, poupemos os gestos, poupemos nossos sentimentos!
Poupemos nossos pêsames, poupemos nossas condolências!
Poupemos os relógios de pulso, eles estão cansadíssimos!…
Poupemos nossa solidariedade aos irmãos flagelados da seca no Nordeste!
Poupemos nosso carisma pelos irmãos humanos das enchentes do Sudeste!
Poupemos nossa bílis! Poupemos nosso riso de desdém! Poupemos.
E de tanto pouparmos, poupemos mais um pouco. Poupemos nossas nádegas
Numa poltrona diante da TV a cabo e esqueçamos o mundo lá fora.
Poupemos nossas vozes e mãos e gritos, sentados de papo pra cima,
Ouvindo um melódico comercial de tampinha de refrigerante.
Poupemos nossos pensamentos assistindo ao vivo e a cores
Uma gratuita propaganda de bomboniéres ou de sanduíches ou de guloseimas.
Mas, o importante é poupar bem. Vem pra poupança, você também!
Sentemos e fumemos um cachimbo da paz,
Enquanto os índios são destruídos, enquanto suas terras são sitiadas
Pelos fazendeiros, senhores de gado, ou pelos garimpeiros, em busca
Do eldorado perdido, lá no Acre, no Amazonas, ou em Roraima.
Pois, o importante é poupar.
Estamos num tempo premente de surpresas…
Entretanto os nossos filhos já perderam a capacidade
De serem surpreendidos. Tudo é normal, tudo é rotina.
Preterimos um tênis Nike à vida humana.
O alheamento é total.
Ninguém se importa com a vida de alguém.
A reificação e a alienação são lugares comuns,
Que desprezamos todo santo dia.
II.
E o efeito cascata dessa sociedade
Massificada, individualista, competitiva,
Invade as nossas almas. Os filósofos
Não têm mais o que questionar.
A robotização das relações humanas
É inevitável. O pragmatismo insano
Das máquinas invadiu a mente sã
Dos homens de boa vontade. Os homens
Com corações empedernidos é uma maioria acéfala,
Que caminha, cabisbaixo, cachorro sem dono,
Para as fábricas de produtos enlatados made in Brazil.
E o amor, onde está o amor nesta história da Carochinha?
Onde está o amor nesta história do tempo do ronca?
Onde está o amor nesta história de Trancoso?
O amor... entrou pela perna de pinto e saiu pela de pato.
E o senhor meu rei não ficou pra contar as pérolas da coroa,
Deu um pontapé e se escafedeu.
Então, hoje, a dura realidade é que as pessoas não se doam.
A fila do banco de sangue é curtíssima, ninguém se preocupa.
As pessoas olham umas para as outras e dizem nos sobrolhos:
— Eu quero que você se arrebente! Vai ver se eu tô lá na esquina...
Amar é doar palavras de baixo calão à pessoa amada?…
Amar é carnal, é sexual, é animal;
É tudo isso, menos um ato de caridade,
Menos um ato angelical?…
E nos tornamos cada dia mais… pútridos,
Proferindo palavras espúrias, torpes,
Repetidas por quem tem um vocabulário ilimitado de palavrões.
E assim nos tornamos módicos em expressar o amor.
O amor bateu asas e voou. O amor.
Sinceramente, amar é escarrar na pessoa amada,
É cuspir na cara de leseira da pessoa amada,
É pisotear a pessoa amada?…
Lembro-me da mulher que cortou o pênis do marido,
Ela pensou consigo: — Já que não pode ser meu,
Não será de ninguém!…
Ela verdadeiramente o amou?
Asa Branca, 3-8-2003;
Recife, 11-6-2004.
I.
Eu me pergunto: o que é amar?
E a resposta sincera, vem depois.
Amar é doar, se doar à pessoa amada.
Nada mais, nada menos do que isso;
No entanto, no nosso egocêntrico mundo,
Mesquinho por natureza e consumista por opção,
Esquecemos o que é verdadeiramente amar.
Sendo assim, esquecemos ou somos pegos de surpresa,
Ao nos deparamos com atitudes inconcebíveis,
Tais como, olhar para os nossos umbigos unicamente,
Sem percebermos o umbigo do vizinho,
E olhamos para os nossos nédios ventres tristemente,
Sem notarmos o roto ventre descarnado do vizinho.
Se você ou eu beijarmos uma árvore num bosque qualquer,
Muitos dirão que estamos loucos. Aliás, as pessoas de hoje
Não têm tempo para amar a outrem, a quem se chama próximo,
Quanto mais a Natureza que os circunda!... Não, realmente, as pessoas
Não tem tempo, não tem dinheiro, e economizam gestos fraternais.
Poupar é preciso, demonstrar carinho, amor e respeito a outrem, isso não!
Poupemos as lágrimas pelas crianças mortas
Nas guerras do Golfo!…
Poupemos as lágrimas pelas mães desfilhadas
Nas guerras pelo tráfico de entorpecentes nas favelas do Rio de Janeiro!…
Poupemos as lágrimas pelas vítimas desventuradas
Na guerra pela fome, uma fome secreta e nua, que esconde a falta de proteínas,
De vitaminas básicas para a sobrevivência humana!…
Poupemos as lágrimas pelos úberes das mulheres africanas,
Que já não amamentam mais, pela desnutrição, pela falta de água,
Pela peste sorrateira do século vinte — o famigerado vírus da Aids!
Poupemos as lágrimas, poupemos os gestos, poupemos nossos sentimentos!
Poupemos nossos pêsames, poupemos nossas condolências!
Poupemos os relógios de pulso, eles estão cansadíssimos!…
Poupemos nossa solidariedade aos irmãos flagelados da seca no Nordeste!
Poupemos nosso carisma pelos irmãos humanos das enchentes do Sudeste!
Poupemos nossa bílis! Poupemos nosso riso de desdém! Poupemos.
E de tanto pouparmos, poupemos mais um pouco. Poupemos nossas nádegas
Numa poltrona diante da TV a cabo e esqueçamos o mundo lá fora.
Poupemos nossas vozes e mãos e gritos, sentados de papo pra cima,
Ouvindo um melódico comercial de tampinha de refrigerante.
Poupemos nossos pensamentos assistindo ao vivo e a cores
Uma gratuita propaganda de bomboniéres ou de sanduíches ou de guloseimas.
Mas, o importante é poupar bem. Vem pra poupança, você também!
Sentemos e fumemos um cachimbo da paz,
Enquanto os índios são destruídos, enquanto suas terras são sitiadas
Pelos fazendeiros, senhores de gado, ou pelos garimpeiros, em busca
Do eldorado perdido, lá no Acre, no Amazonas, ou em Roraima.
Pois, o importante é poupar.
Estamos num tempo premente de surpresas…
Entretanto os nossos filhos já perderam a capacidade
De serem surpreendidos. Tudo é normal, tudo é rotina.
Preterimos um tênis Nike à vida humana.
O alheamento é total.
Ninguém se importa com a vida de alguém.
A reificação e a alienação são lugares comuns,
Que desprezamos todo santo dia.
II.
E o efeito cascata dessa sociedade
Massificada, individualista, competitiva,
Invade as nossas almas. Os filósofos
Não têm mais o que questionar.
A robotização das relações humanas
É inevitável. O pragmatismo insano
Das máquinas invadiu a mente sã
Dos homens de boa vontade. Os homens
Com corações empedernidos é uma maioria acéfala,
Que caminha, cabisbaixo, cachorro sem dono,
Para as fábricas de produtos enlatados made in Brazil.
E o amor, onde está o amor nesta história da Carochinha?
Onde está o amor nesta história do tempo do ronca?
Onde está o amor nesta história de Trancoso?
O amor... entrou pela perna de pinto e saiu pela de pato.
E o senhor meu rei não ficou pra contar as pérolas da coroa,
Deu um pontapé e se escafedeu.
Então, hoje, a dura realidade é que as pessoas não se doam.
A fila do banco de sangue é curtíssima, ninguém se preocupa.
As pessoas olham umas para as outras e dizem nos sobrolhos:
— Eu quero que você se arrebente! Vai ver se eu tô lá na esquina...
Amar é doar palavras de baixo calão à pessoa amada?…
Amar é carnal, é sexual, é animal;
É tudo isso, menos um ato de caridade,
Menos um ato angelical?…
E nos tornamos cada dia mais… pútridos,
Proferindo palavras espúrias, torpes,
Repetidas por quem tem um vocabulário ilimitado de palavrões.
E assim nos tornamos módicos em expressar o amor.
O amor bateu asas e voou. O amor.
Sinceramente, amar é escarrar na pessoa amada,
É cuspir na cara de leseira da pessoa amada,
É pisotear a pessoa amada?…
Lembro-me da mulher que cortou o pênis do marido,
Ela pensou consigo: — Já que não pode ser meu,
Não será de ninguém!…
Ela verdadeiramente o amou?
Asa Branca, 3-8-2003;
Recife, 11-6-2004.