Cânticos de um Homem Histérico e Pós-moderno

Edigles Guedes

Álefe

Ela, seu rosto — vaso oaristo do grego de alabastro,
O relógio tilintava os centavos dos segundos que estende a mão e esmola pede,
Uma maçã de zebra com risco pousada na mesa quadrúpede,
A estante sem pejo de livros corisca adormecida de bela,
Aquele rosto de queijo ralado, convidativa, com 0% de gordura trans — que
Abusava do brumbrum da manhã dentro do estojo de cor de lápis.
Quem me dera que essas horas fossem manhãs partidas
Na geladeira malcriada de casa!
No quintal longínquo não encontro o relógio do galo anunciando a Madrugada propínqua.
Onde estão as rosas amarguradas de espinhos? Bruega fininho. Em que jardim
Tu a plantaste, bela Sulamita?

Ela parida de baby-doll nas linhas de prontuário médico
Que deixa estar amarela de rascunho para Poe e Pound,
Galego e galante,
Trovador trovejante.
Ela me disse ao pé da orelha que não cala:
Beije-me como se beijam os beijos dos beija-flores…
O Amor é que me engenho,
Fralda podre que cai da árvore do silêncio,
Desperdiçada no bumbum do bebê com talco pompom…
O Amor é que me convenho,
Uva que enferruja aos pés da videira,
Em que a Raposa peleja com sua brotoeja; mas, por derradeiro,
Não consegue arrancar a fruta — contrário à fábula…
O Amor é que me aninho,
Subo ao monte de Sião pra gritar à gentil genitálhia:
— Me ame, linguamente beijos!…
O Amor que é azinho,
Qual brugalhau de burgalhão no mundo do mar — mudo.
Bicho-da-seda enamorado por tuas folhas de mim.
Acrílico de esponsais numa noite sem trágico.
O lírico dos lírios do chiste mastigando nos teus lábios e sorrisos irônicos,
Da carrocinha sanduíche do dengoso de cachorro quente.

Eu não sou algum brulho pra que me jogues fora!
Deixa-me embrulhar nos teus cabelos de você, Sulamita…

— Meu rei meu senhor, me introduziu nas recâmaras de olor.
Epidídimo gozijou nas trombas de Falópio morena,
Clipetóris clipejou, babejou de Bartholin os grânulos,
Gônadas gondolou gluglu no Google do colo de menina,
Bulbouretrais bufalou o leite nos laços de tálamo.

Bete

As moscas sandaleiam moucas na cerâmica de mim porcelanada?
Enquanto eu buldogueava os pratos e talheres do almoço,
Uma formiguinha de asas tanajurava de comigo.
O ar é tão triplo doce que penumbra a pálpebra.

O colírio dos vales é ela,
A Rosa de Sarom nas campinas do tapete da sala de estar, da casa no concêntrico.
— Eu o quero de muito meu amado,
Viajor cansado pela sombra da árvore, chocado
Pintinho, debaixo das asas poéticas, mais que perfeita de galinha.
Desfaleço-me paladar
De Amor entre maçãs
Ah! passas e acauãs…
Ei-la a voz do meu
Bem-querer; cavalo salta
A boniteza dos montes,
A precisão dos outeiros.
Pisa-flores,
Pisa-verdes,
Salta-pocinhas.

O iceberg de inverno navegou às velas vistas,
As figueiras choraram os seus figuinhos,
As vides em flor chilreiam o seu aroma,
Os pássaros exalam seus cânticos chiuchius.
— Querigmático, volta meu querençoso!
Antes que caía o esquecido das sombras nas penhas da tarde,
Antes que o dia perca o seu refresco desfruta ao almoço.

My noon had come to dine.

Pastoreei querequetê fome antiga de lustros;
Em alerta minha Barriga às horas em que viera almoçar;
Eu, tremetremendo, se errei o serrote da mesa,
Despedacei-me no curioso barril pintor de tinta o sete…

Eu não sabia do conhecer do basto pão,
Tão outro das migalhas dada ao cão,
Que dormita acordado aos pés da mesa
De seu dono. Compartilhado pelos pássaros
Que ases amanheciam sonoras aves auroras,
Rasgando ácaros de araras-azul-claro.

Nem fome possuía o pássaro ferido que
À balão dirigível ronronava dentro de si consigo
Gato que não sabe a hora de pisar mansinho
Na cozinha de sardinha que frita a caçarola.

Guímel

Light laughs the breeze in her castle of sunshine.

A pena luzérrima tece alfaque a brisa
Ancorada que em seu descer desliza.
— Ailerons! — ciferam as asas dos Crocruditos
Castelos de Sul e sol e sal e seu…

Pétala, sépala, tépala, begônia-bengala,
Pulgava a manhã de aéreo verão —
Um luzir reluzir do transparente Orvalho —
Uma Abelha, outra Abelha… brincam plásticas com a Brisa,
Árvores comungam a múmia do comum das rosas.
Onde: em que planta, em que bichinho eu me burlequeei no jardim?

À noite, busquei aquele a quem ama o abridor de latas.
Eu estava imprensado, pela sardinha que late dentro da lata cercado os lados?
Como me abrir da asa do abridor de latas por dentes afiados?
Busquei-o, e não achei.
Descerrei o armário da cozinha,
Abri a boca da porta do fogão,
Abri a mão da porta da geladeira,
Abri o segredo dos sete cofres do coração,
Abri o toque-toque da fechadura da sala de casa;
Procurei nas sujas ruas, nas e obscenas esquinas,
Nas avenidas que teimam em socorrer os carros.

Dálete

Quem do mundo tirará o pulo do bolso da calça? Ninguém?

A Faca cortou a manhã,
A manteiga escorreu derretida numa banda do sol,
Uma vaca pousou o queijo da terra entre as duas fatias de estrumes —
O asfalto de piche acendeu o fósforo do aquecedor global.

Fata slew Him, but He did not drop.

O Fado. O Fardo. O Fado
Arregaça as mangas,
Assua uma letra de carta
E cospe na tez do Fardo.

O Cravo xingou a Rosa
Por baixo de uma cocada.
O Cravo caiu sorrindo
E a Rosa escravejada?

O Fardo — macho que só… —
Esmou seus temperos e,
Sem crença ou detença,
Abofeteou a mão no Fado.

Coitadinho do Fado!
Abriu as torneiras do choro
E se emburrou para casa
Com as mãos abanando.

À tarde, os pirilâmpagos olfateiam a fosforescência do lusco-musgo.
No rusgo-fusco, sobressaltou-se a angústia das águas que guargalhavam —
Engando-se ao bolorô de terra, xucra numa enxurrada de mal-de-engasgo.
A Lua faz pose de atriz de tevê em ensaio armorial.
(A quem a Lua quer bigodear?
A fiúme e ciúme, arporeja a Lua boba
Seu canto areia sereia: sareia na idade da Loba?)

Eis que és fermosa: olhos de pomba,
Cabelos de guardadora de rebanhos
Dos sonhos, dentes de ovelhas tosquiadas,
Lábios ávidos de escarlate áfio de epitáfio,
Fronte pianíssima de romã em banhos.
Do teu pescoço pendem às dúzias
Escudos, broquéis de troncudos —
Seios gêmeos de panturrilhas que gazelam,
Debaixo da tua Língua há mel meu e leite.
Jardim fechado manancial, fonte selada…
Cipreste e nardo e açafrão e cálamo
Calam-se ao ouvir tua pele de sabonete.



O sábio Sabiá sabia salvo e são das sirtes.
As pipocas pirotecniqueiam ao fogo da panela.
Faz tarde e tudo é azul no Céu que estrela.
Meus ouvidos veem o aédico Homero solfejando sua odisseia entre aldeias gregas?
Meus olhos ouvem, mas perscrutam em não crer, no laboratório de Joyce em Dublin?
Minha boca cheira o sabor do mato verde em que a baleia Moby Dick afundou Melville?
Meu nariz saboreia o trágico do Missipipi dentro de Yoknapatawpha, onde navegava Faulkner?
As mãos revoam em bando de ribaçãs olvidadas que estão de Riobaldo no sertão em Rosa?
Emily, minha filha, Dickinson! a vida é simpatética sem o amargor pouco do sal no feijão?
O sábio Sabiá estava sóbrio das sobras.

Desdenhei dos anéis de Machado, e que fiquem os dedos de Capitu!

Um molho de chaves molhou a galinha ao molho pardo?
Sabiá, Sabiá, onde foi que Emily se escondeu?
— Cadê o queijo que estava aqui?
— O rato levou!…
Lá vai o gato atrás do rato,
Lá vai o gato atrás do rato,
Lá vai o gato atrás do rato…
O gato pegou o queijo!

Ó Sulamita, onde está a chave do meu jardim?
Entrei no meu jardim fechado em círculos
Que se consomem concêntricos, dentro um do outro.
Colhi o perfume que exalava da roupa dos lírios,
Colhi o sabor das horas das begônias extravagantes,
Colhi o mel do favo tricolor de abelhas italianas…

Ela dormia, estava calejada pelo sol, amordaçada pela enxada,
Mas o seu coração vigiava o jardim. E eis a Voz batendo à porta
Na imensidão das nuvens esconsas, e eis os cabelos de conta-gotas
Que orvalhavam a Noite.
Já despida de si, Clarice Lispector
Investiga o pus da barata, aquela gosma verde e clara,
Que não se cala no ventre inspetor
De sua personagem, de sua máscara: G. H.!

Já lavada as mãos, Pôncio Pilatos não as tornaria a sujar?

As minhas mãos tremeram suas entranhas por calor dele.
Fazia frio; porém as mãos, aos polens, gotejavam incenso
E mirra, com aroma de celestiais canções.
As aldravas da fechadura não sustinham o peso do perfume!

Busquei-o e não o achei;
Ou busquei-a, porém ela não quis me achar.
Chamei-o e não me escutou;
Ou chamei-a, todavia ela não quis me escutar.

There was a lost World, despised, ambiguous.
Who is the Knight of the Round Table
That the settler, after Cabral’s nakedness?
Or discovered the nakedness of Brazil?

Vau

Um exército com bandeiras
Apascentam os canteiros de bálsamos no jardim?
Era só um sonho. Exércitos foram forjados para a guerra.
Os teus Dedos a me tocarem já não são guerras contra mim?
A Noite não enxerga o Dia que se foi debaixo
Do seu romance de espada e capa.
D’Artagnan se esquiva de um golpe de sorte,
Ou de espada; um aqui, outro ali.
Eram os guardas de Richelieu,
Os quais não conheciam a arte de duelar com palavras.

Ó mais fermosa entre as mulheres, já ouviste
O balido de cabras em Gileade?
Sim, é verdade, as cabras não bezoam!
Apenas sibilavam no asfalto surdo e mudo
Os ouvidos dos pneus de automóveis,
Em flagrante poluição da ampulheta
De areia do tempo dos Faraós?

Tirza, Tirza, onde está o pedaço de Romã
Mordiscado pela bela Sulamita?

Salgueiro, 3-2-2010.

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