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Mostrando postagens de janeiro, 2010

O rio Beberibe e eu

Edigles Guedes Ó rio Beberibe, que corta o Recife, Como uma navalha corta o rabo De cão cotó. Ó Beberibe, sim e sim, Você parece-me com um rabo de cão, Daquele cão aleijado que eu encontrei Na esquina da rua da Palma com a avenida Guararapes, o qual manquejava (de alertas orelhas) Suas madrugadas ao sabor de adoçante dietético!… Ó rio Beberibe, que corta o Recife, Como um queijo parmesão ralado Que esfriou seus grãos de si mesmo No almoço de meio-dia em meio a saladas Verdes, devidamente prescrita pela Nutricionista de plantão. — Frutas, Muitas frutas, pouca gordura e nenhuma Fritura; ouviu-me?… O colesterol está altíssimo! Ó rio Beberibe, que corta o Recife, Como um foguete de escombros corta o céu Em fatias de mísseis babélicos e chinfrins; Em fatias de pães dormidos com queijo coalho; Em fatias de maçãs no escuro da cozinha Sonâmbula, escondidas na geladeira sem rabo; Em fatias de livros usados, cujas páginas Amarelas afiam o faro gripado de cão sem mim

A Fábula do Copo

Edigles Guedes O Copo jaz sobre a mesa. O Copo, neutro do mundo, Alheio de si mesmo, Eu queria ser, sendo. Eu queria ser o Copo De consistência vazia, Mas de cristal feito; Não do conteúdo do Copo, Que pode vir a ser: Ou a água mineral, Ou outro líquido qualquer. Eu queria vir a ser Da substância copo — Pedra inerte, laborada Por humano engenho. O Copo jaz sobre a mesa, Sobre a mesa dum bar Jaz o Copo pétreo. O garçom serve a um homem Fogoió, de cabelos desgrenhados, De olhos verdes e vesgos, De estatura torta e meã. O dito Copo foi preenchido Pela maçangana cachaça, Esborrando pela boca, De tão cheio que ficou. Um homem, cleptomaníaco, Colocou as patas de fora, Arregaçou as mangas — Furtou o cujo Copo. (Imaginem se eu fosse o dito e cujo Copo, Agora, abduzido, numa bodega de esquina!)

A Boca

Edigles Guedes A boca severa que calunia É a mesma boca que te beija!… A boca ardente que detrata É a mesma boca que te exalta!… A boca estúpida que maltrata É a mesma boca que te aleija!… A boca sarcástica que bugia É a mesma boca que te alforria!… Salgueiro, 31-1-2010.

Condimentos do Amor Secular

Edigles Guedes A pimenta de tua língua Deixa-me doido, doidivanas! A tua encantadora e ferina Língua sugando, chupando O picolé no palitinho em riste! Ó coisinha linda de dar cheiro! Vem me encher com tuas desmedidas De ósculos e beijos laicos!… O orégano de tuas faces, Rende-me os incultos joelhos, Amaciando, apalpando com carícias, Mil e uma vezes a tua pele De terrível onça pintada, De docíssima onça caiana. Desmancho-te a pele eriçada De verdor dum canavial qualquer!… O alho ardente de teu púbis, E por que não: tropical e cálido? Faz-me um homem mundano, De estatura e vozeio picante! Esse alho saboroso e indigesto, Mas tão sensual e lascivo, Deixa-me tal qual um Dom Quixote Suspirando por sua Dulcineia!… O cravo de tua boca, Cujo sabor é de moleca, De mulher trelosa, sapeca, Faz-me abrir o zíper Grosso dos lábios, Em largo lago sorriso! O cravo de tua boca, Afrouxou-me a cueca?… O louro folhoso de tua virilha Parece a última valsa, ou a sonata

O Corpo Feminino

Edigles Guedes A clorofila de tua língua de víbora Deixa-me nos últimos apuros de suspiros! As mitocôndrias de teus pensamentos Causa-me prejuízo além da conta, Causa-me interferência na antena Parabólica dos meus sentimentos… Os ribossomos que coram tuas bochechas Deixam-me enrubescido! Que sensação É esta? Sensação demasiado esquecida. Os cromossomos palpitantes do teu coração Deixa-me atomatado o meu rosto, As minhas mãos sobremodo puídas. Os lisossomos, nefastos, roçando Pelo a pelo… Tuas pernas cavilosas Com minhas barbas de Matusalém, Devagar, bem devagar, vão provocando O hasteamento da bandeira de Jerusalém: Em riste, alta, sobranceira, fogosa!… O teu vacúolo central na minha língua — Enfebriada — despertaria os desejos vis do marquês De Sade! Esta noite, não me deixe à míngua!... Vamos saborear o néctar dos reis de outrora!... Vamos desfrutar a lânguida, lasciva e lúbrica água: A água dos jardins das delícias! A-del-rei! aqui-del-rei!… O teu apare

Maravilhoso Mundo de Todo Santo dia

Edigles Guedes Todo santo dia, ele pega o ônibus Para trabalhar às 5h da manhã. Todo santo dia, ele pega o ônibus De volta do trabalho às 19h da noite. Todo santo dia, ele trabalha como Autômato numa fábrica de automóveis. Todo santo dia, ele trabalha e trabalha… Será que ele trabalha numa fábrica de bebês De proveta, em que o lustroso patrão Lucrará milhões e zilhões de dólares, Produzindo uma sociedade em série, Tal qual o Maravilhoso Mundo Novo, Do inaudito escritor Aldous Huxley? Recife, 6-11-2004.

Ó Morte, Dama Insone e Insensata!

Edigles Guedes Ó Morte, Dama insone e insensata! Travestida de seu fúnebre vestido De branco, branco encarnado, Empunhando a foice ingrata. Ó Morte, Dama de dentes encardidos! Que ceifa a vida de entes queridos, Vastas pessoas de boa índole, de bom caráter, De bom esmero, de boa estirpe e qualidade. Ó Morte, Dama Negra, usuária do colesterol, Do enfarte do miocárdio, do besteirol, Que assola a mente e o coração desacautelado, Que amola os rins e o estômago desprevenido!… Ó Morte, Dama darwinista, crudelíssima!… Que vela pela desditosa vida alheia E desgraça bastante personalíssima, Pleonástica e plástica, assim e assaz, de si cheia. Ó Morte, Dama de agenda cultural Escabrosa! Com seu corpo escultural, Estorce o nariz arrebitado e empinado Do Fardo humano — colosso impávido!… Ó Morte! Dama daninha, escarninha Do mancebo e do senil senhor ou senhora… Ó Morte! Por que não te enxotam Para longe, como o monstro Leviatã?… Ó Morte! Dama bacana, de gravata alinh

Converseiro ao pé do Ouvido

Edigles Guedes Hoje, já não se diz: — Alô! Quem fala? Se diz: — Olá! Como vai você? Hoje é o tempo em que o telefone Vem acompanhado com tela plana, Do tipo usado em teleconferência. Hoje, vemos face a face Os interlocutores em diálogo longínquo, Unido pelo fio ou via satélite. As crianças já não vão Ao parque de diversão, Ou sequer à praça, No intuito de saborear Um saquinho de pipoca Ou um doce de brigadeiro. As crianças seguem ao parque, Ou até mesmo à praça, Para fazerem exercícios físicos, Queimarem as gorduras localizadas. As crianças estão obesas!… Já não tem tempo para brincar De gangorra, de balanço, De pique-cola, de escorrego; O tempo é curto para desfrutarem Do saquinho de pipoca Ou de um doce de brigadeiro!… Recife, 8-7-2004.

Tartaruga de Mármore

Edigles Guedes Oi! tartaruga de mármore! Como vai vossas patas Rupestres, de pedra maciça? Como vai vosso riso De artista plástico? Como vai vosso casco, Entalhado em alvos ladrilhos? Como vão vossos olhos Desusados, cor de azulejo? Oi! tartaruga de mármore! Sabias que os hindus Dedilham-vos muito apreço? Para os hindus vós sois animal Assaz mitológico e sagrado, Que sustenta o mundo Nas costas. E que costas férreas!… Para sustentar o mundo e os homens, Com suas leis e gravidade!… Oi! tartaruga de mármore! Mas, aqui, debruçada no vidro Opaco, espesso e mouco da sala De visitas, vós sois apenas uma tartaruga: Bicho de estimação, petrificado Na longevidade de vossa vida renhida. Recife, 8-7-2004.

Louvor às Cáries

Edigles Guedes Louvo-te, Cáries queridas! Pela grande audiência Em que empenhas Teu fogo alto, ou tua Temperatura amena, Em destruir os dentes! Para que é necessário Os dentes, os carnívoros Dentes? Que consomem, Compungem, trituram, Pulverizam, mastigam A carne bovina ou de frango: A carne de peixe morto!… Louvo-te, Cáries diletas! Pela ousadia de fritar, A forno e fogão, Em acendimento automático, Os crudelíssimos dentes, Quer naturais, quer postiços!… Vamos pôr abaixo os dentes!… Os dentes cozinhando Assim, brastempemente! E depois, vamos fazer Um lauto churrasco; A fim de que, nos sabores Da carne, possamos Festejar a morte De nossos inimigos — Os terríveis dentes!… Recife, 8-7-2004.

Eu Abomino o teu Sorriso Como o de Lady Macbeth

Edigles Guedes Eu abomino o teu sorriso, Quando ele me olha com dentes De deboche, como se olha um cão Vira-lata numa rua desprezada e descalça!… Eu abomino o teu sorriso De mulher vira-lata, de mulher Insossa, que nem a falta de sal Na panela de feijão, no almoço de domingo!… Eu abomino o teu sorriso, Porque ele machuca-me desde O dia em que percebi a sua falta De clemência para com o meu coração azedo!… Eu abomino o teu sorriso, De megera indomável, de Lady Macbeth, Inventora de intrigas no palácio de Shakespeare, Es-cár-nio, es-cár-nio!… — Quantas vezes eu aprendi soletrar esta palavra! Eu abomino o teu sorriso, E repetirei esta frase o quanto for possível. Pois pretendo execrar de minhas entranhas Enfadonhas o teu sorriso de inveja e malícia e insídia!… Salgueiro, 28-1-2010.

Amor, Ainda que Piegas

Edigles Guedes Prometi uma vez que não faria mais poema de amor. Sabe por quê? Porque o amor virou brega. Coisa de piegas!… Daquele tempo do ronca. O amor à Gonçalves Dias, que derramava copiosas Lágrimas pelos olhos verdes duma mulher. No entanto, eu não resisto; e terminantemente Insisto em declarar que meu coração amanheceu maio... Este meu coração, frágil coração fino de cristal, Adormeceu clarineta de felicidade e benignidade; Meus dedos tamborilavam as nuvens de alegria. E eu perguntava-me: — Será que o amor é um anjo Que desceu a escada do céu e cortaram suas asas?... Recife, 8-12-2006. Os contos estão no seguinte blog: http://oquartodekafkaeoutroscontos.blogspot.com/

Minutoante de Trégua

Edigles Guedes Um Minutoante de trégua… O Mar agitolheu-se em sossegodê. Um Grilobato trovejou suas pernabucodonosores. Ela limpovoou o pó derramado, Tal-qualmente a leitebaida derramada pela algemanhã, Com um trapoaçu cinzento, aziumedecido Pelas aciculágrimas desditosas de suas pupilabéis castanhas. Um Minutoante de trégua… Subitamente, a portabaréu abriquitou-se de novo. Ela tornou-se amarelocutor pálida. Dois vestidos de bailebéquia foram ao abactocador; Contudo, o abactocador vocalismolhou-se pelas lagrimaçãs Castanhas de suas pupilábeis inditosas e quamanhas. O Mar aquietolejou-se em tempestalmude. Um Grilobato calou sua canção empederninhada. Salgueiro, 24-1-2010.

Passou-se

Edigles Guedes Passou-se janeiro, Passou-se fevereiro, Passou-se março, Passou-se abril. E o bafo, Amor, Do teu beijo, ainda Está colado na tez Desta minh’alma soez… Passou-se maio, Passou-se junho, Passou-se julho, Passou-se agosto. E para meu desgosto, O cheiro e perfume Suave das tuas mãos Transfiguram-se no lume!… Passou-se setembro, Passou-se outubro, Passou-se novembro, Passou-se dezembro. E as pisadas do apito Silente do guarda-noturno Furtaram à gramática O meu Amor soturno!… Recife, 15-12-2006.

Gastei-me por Gastar

Edigles Guedes Gastei-me por gastar as horas de gostar de mim, Gastei-me por desgastarem-se as horas de gostar da Mulher Que me viu assim — aquela flor de jasmim Perdida no farol das águas mortas, de pântano escuro!… Recife, 23-12-2006.

Foi-se

Edigles Guedes Foi-se o tá-tá-tá da máquina de escrever, Restou-nos o teclado valente Do computador que nada sente!… Foi-se embora a tão estimada privacidade: Restou-nos um sorrir de cumplicidade; Sorria, você está sendo filmado!… Foi-se o maiô da rosa de Hiroshima, Restou-nos o biquíni da bomba de hidrogênio!… Recife, 20-12-2006.

Sou um Verme

Edigles Guedes Sou um Verme: é isto que sou; Um Verme que não transcende!… Das cinzas e do pó, meu legado Não passará de papel amarfanhado. Sou um Verme: é isto que sou; Muito aquém de um Verme estou. Pois, das cinzas e do pó e da poeira Que sou, eu me saí areia-engolideira!… Sou um Verme: é isto que sou; Cheio de naufrágios de mim, cheio De frustrações larvicidas, e anseios Que não se cumprem, cá dentro de mim!… Sou um Verme: é isto, sei que sou sua semente, E não adianta me camuflar em almofada carmesim… Salgueiro, 24-1-2010.

Sonho por uma Casa

Edigles Guedes Muitos sonham com a casa própria, Fazem planos, cálculos e acumulam pecúnia. Mas, eu sonho com minha casa de versos; Onde a imaginação e os teus beijos são o sucesso Das paredes de vidro; e o teu mastigar ávido De chocólatra deixa-me em êxtase pelos ouvidos. Eu sonho com minha casa de versos e vidro, Onde o meu desejo candente por ti, Amor, realizar-se-ia; Ah, se esse desejo espúrio e inconteste e decaedro Fosse apenas um passageiro em mim da Ilusão de acrimônia!… Eu sonho com minha casa de versos e vidro e desejo; Será que tão inusitada casa por-se-ia de pé?… Em sonhos, tudo é possível, até o Chocolate frappé Tem o cheiro de um velhaco malandro e macanjo… Onde se escondeu a casa tão sonhada por Florbela Espanca, casa de ária, em que caberia seu Amor de Bela, Senão fosse a Fera olvidada no jardim de seu peito; Pois, tu, Amor, causa lágrimas com tua navalha de ser liquefeito… Salgueiro, 24-1-2010.

Gratidão

Edigles Guedes Agradeço-te, gentil Senhora, Pelo dia em que partiste. Pois, quando me viraste as costas, Eu percebi o quanto não merecias O meu Amor e a simpatia das minhas Formosas fagulhas de palavras!… Agradeço-te, dúctil Senhora, Pelas noites de malfadadas, Em que a Insônia pegou-me De surpresa, e aqui estou Acordado… Sem delonga, bem Próximo a mim, segue-me a Noite!… Agradeço-te, fútil Senhora, Sem ironia ou sarcasmo nas veias, Pela bondade de sua graça Desfeita em meus lábios rudes, Pela bondade de seu Amor Desfeito em meus braços podres!… Agradeço-te, inconsútil Senhora, Pela tênue Ilusão que abarcou O meu peito tão varonil e tolo. Ó doce Ilusão, como foi bom Conhecer-te, ainda que pouco dure, Ainda por um breve e parco tempo!… Agradeço-te, inútil Senhora, Lá do osso, fundo do poço, Lá do istmo, fundo do abismo, Lá da amigdalina, fundo da latrina, Lá da abscissa, fundo da fossa. Aceitas a minha gratidão!… Salgueiro, 24-1-2010.

A Rosa Morfossintática

Edigles Guedes A Rosa Morfossintática Atingiu certeira e por detrás A última Flor do Lácio, Que ficou cafona e jeca. A Flor do Lácio sofreu à breca, Levando o nome de brega!… A Rosa Morfossintática Plasmou a sociedade de consumo, Pisoteando o léxico: paz! Embora, no imo, soletrasse A indubitável e marica Palavra: Guerra!… Guerra!… A Rosa Morfossintática Mangou de Olavo Bilac, Debochou de Oswald de Andrade! A Rosa Morfossintática disse: — Eles são pontos extremos No espaço cibernético!… A Rosa Morfossintática, Criadora de moda, que vive de moda, Como Coco Chanel; olhou à roda E disse: — O presente e o passado São cornucópias desvairadas!… Mensagens fonadas de amor tresloucado! A Rosa Morfossintática Gaba-se de ser pós-moderna; Mas, verdadeiramente, É retrógrada e ultrapassada! Olhem suas pernas desgastadas, E sua cara de escarradeira! A Rosa Morfossintática Gabola; ela ufana-se e vangloria-se Por ser cabeça oca, bastante oca! Alienada, alienadíssi

Se eu Falasse de Amor...

Edigles Guedes Se eu falasse de Amor como as Rosas falam Do perfume de Esgotos fétidos de verão… Certamente, os Esgotos secariam, e a fedentina Exalaria nos narizes das Rosas pútridas. Se eu falasse de Amor como as entrelinhas Angustiadas por um personagem de Dostoiévski… Certamente, a Náusea consumiria o papel em branco E o Vômito destilaria o seu ódio contra a Tinta negra… Bastante negro seria o sangue das Horas Consumidas em uma taça de crime E num cristal de Castigo! A obra nos pune?… Se eu falasse de Amor como a galinha Num conto de Clarice Lispector — Certamente, o vértice do vento varreria O Ocidente nuns arrebatadores tornados… Se eu falasse de Amor como a boca aleivosa Fala para o Ouvido tétrico de mercador… Certamente, a Xícara agastou-se com o Garfo, A Faca arrufou-se com o Pirex, A Manteiga desaviu-se com o Pão, A Panela desabriu-se com o Arroz, A Tampa aborreceu-se com o Feijão. Se eu falasse de Amor como a paquidérmica Barata do Franz desengo

Reflexões em Horas Trêmulas

Edigles Guedes Serão as Horas trêmulas — Burras que nem uma mula? Por que o Café do jantar Tem o desgosto de enjoar? Quadras de beneplácito circulares Migalham a anos-luz estelares? Meu Coração chora ortográfico, Desdenhando um beicinho grávico. Tu derramaste no quarto De dormir a Xícara do parto Sem Asas. Quem me dera ter Asas e alçar o Infinito do Ser!… Salgueiro, 21-6-2009.

Conselho de Papéis Amassados

Edigles Guedes Incólume, apuras-te, como se apara a ponta De um lápis. A grafite quase que enferruja… A faca em teimosa gastura de cabeça-tonta, Que tanto apronta com o lixeiro e se suja. O lixeiro, esnobe, com a sujeira metida Em seu seio, pensa consigo que há mais amores, E escarnece da face que o beija. Nesta lida, Enleiam-se os aparos do lápis, entre dores e cores, Aos papéis amassados e rotos no fundo da lixeira. Eles dizem: — Poeta, não mos creia, pois há engodo Nas escarlates letras da morena manhosa e faceira! Pois há maior dano em se enlevar por nuvens Do que os que caem no pântano pegajoso; já que o lodo Tem cavernas, onde a gente pode se enfurnar, inda jovens! Salgueiro, 13-6-2009.

A Tigre

Edigles Guedes Aquela Tigre que medra na Madrugada, Mistura mágoa e piedade numa atroada. Hífens! risco de união que não se cumpriu, Entre um homem ilustrado e uma mulher Celebrada. Ainda que no mundo se vá, Minha Senhora, a partir meu coração, Pelas cidades e ruas em seu Alazão; Resta-me sussurrosas linhas de cá, Onde a encontrarei a sisbordo de mim, Escondida e tal entre cravos e jasmins. Eu sei que, embora as boas lágrimas Derivadas brotem no meu rosto, e A Senhora tenha me ouvido e visto: Cada qual trilhará o seu caminho. Salgueiro, 13 e 23-6-2009.

Aquela Ferida Humana

Edigles Guedes Ah! Aquela Ferida humana que escarnece Sua pretensiosa chaga de pus e maquinaria Dentro das minhas estranhas — que eu me ria, Frio — Amor: calafrios de carência a quem nos apetece. Se no psiuciciar da manhã, enferrujou suas verrugas, Que de tanto escondê-las do mundo consentia, Debruçava na janela de sua boca a injúria, Que me não calaria… Por que, Amor, vós clamais às rugas? E esqueceis-vos da estonteante Morte que nos enobrece? Ristes, deveras, de mim! Enaltecestes a tua ex-glória Por não me desvencilhar dessas tramas que me tece. Senhora minha, o quão sabãoso é ouvir-vos às lérias Por maltratar-me os pés e pernas… Isto me entristece Por lograr-me o cativo cativeiro de mim sem férias. Salgueiro, 12 e 13-6-2009.

A Facabalística Loquaz

Edigles Guedes O Salsichapéu algoz estripou Um Ovocabulista paquidérmico; A Facabalística loquaz esquartejou O Salsichapéu algoz com apenas Um assoprobo de sua bocabisbaixa Voraz. Mas, o Pipipão sem pernas Foi quem degustou o Salsichapéu Atroz e o Ovocabulista epidérmico!… Salgueiro, 23-1-2010.

O sol na Madrugada

Edigles Guedes Um cacho de uvas roxas e sem alarme; Um melão de cor amarela delatava o Sol, Que fugia do amarelo de seus raios; Um bule de cor azul, sem mar no olho de sua boca; E uma xícara, esquecida do preto do café que não veio; Adormecidos estavam na toalha branca de mesa. E eu? Eu tentava reatar o fio da meada? Não! Eu vislumbrava o bilro no bico do passarinho Que amanheceria dentro da xícara de café; E surpreenderia o bule de cor azul Com uma caixa de lápis de cor; Acalentaria o melão de cor amarela, O qual já desbotava de pudor; E diria ao cacho de uvas roxas: — Nada de alarde; o Sol já vem, Já vingou a madrugada! Salgueiro, 27-12-2009.

Quem Nasce Faca

Edigles Guedes Uma vez eu amei uma Mulher, Mas ela não entendeu Que eu nasci para ser Faca Da cozinha do mundo. Voe Águia, voe alto! E traga-me de óbelo A mais sagaz Poesia Que eu já fiz! Voe, voe!… Ela queria que eu me tornasse Uma Colher. Eu disse que não!… Pois quem nasce Faca, não fica Para Colher. Eu gosto de cortar pão… Voe Águia, voe alto! E traga-me, obtusa, A mais sarcástica Poesia Que eu já fiz! Voe, voe!… E disso não abro mão. Por isso, eu sou tão recluso De mim, recluso nesse Mundo Tão fictício que criei no meu Peito. Voe Águia, voe alto! E traga-me, como obus, A mais irônica Poesia Que eu já fiz! Voe, voe!… Não, sinceramente não; eu não Quero liberta a minh’Alma de mim. O meu único desejo é que Minh’Alma voe alada Águia de mim. Voe Águia, voe alto! E traga-me febrilmente A mais singular Poesia Que eu já fiz! Voe, voe!… 22-1-2010.

A Cheia

Edigles Guedes Hoje, chove bastante; chove. A chuva arregaçou a cheia. A cheia, aos borbotões, Saiu seguindo os trovões Da calamidade pública. Olha! como que chove! Os prefeitos decretam Estado de emergência. O governador publica Em Diário Oficial: “A chuva estragou A Câmara Municipal”. Os vereadores coaxam: — Estamos sem verba federal Para combater a cheia, Que se alastra pelo canal Do Cavouco, invadindo A avenida Caxangá! Vamos todos morrer Nesse inverno que há! José Medeiros de Sá, Oficial de justiça, Arreganhou o berro esganiçado: — Foi a cheia, a terrível cheia Quem sequestrou Os bens da União; Agora, não há como provar A culpa por corrupção Do deputado Fulano de Tal. E o povo, miúdo, desabrigado, Agasalhado em creches e escolas públicas, Sofre o desenlace cruenho: Rende-se à fatalidade da perda. A perda de seus bens materiais: Geladeira, fogão, guarda-roupa, TV em cores, cama, mesa, sofá, Radinho de pilha, estantes, livros, Tarefas casei

Propagandas de Cigarros

Edigles Guedes Free 4 O Ministério da Saúde adverte: Em gestantes, prenhas de si mesmas, O cigarro provoca parto prematuro, O nascimento de criança Com peso abaixo do normal E facilidade de contrair asma. Ah! mas não se preocupe se o menino Nascer completamente mongolóide, Com a cabeça de melão e o corpo troncho… Entre uma baforada e outra, a futura mamãe Sentirá um profundo regozijo de prazer, O prazer do vício satisfeitíssimo! Hollywood O Ministério da Saúde adverte: Fumar causa câncer de pulmão. Cuidado! Atenção! Os alvéolos Estão parecendo as berinjelas Da feira de Caruaru, de tão negros! Carter O Ministério da Saúde adverte: o cigarro mata aos poucos. E quem disse que o fumante Tem pressa para morrer? A gente quer é morrer aos pouquinhos, Como as tartarugas marinhas Que duram centenas de anos! Marlboro O Ministério da Saúde adverte: Fumar causa pobreza e desnutrição. Mas, para todos os outros males Sempre haverá a discordância de opiniões.

O Relógio Desperta-me

Edigles Guedes O tique-taque frenético do relógio desperta-me Do mocorongo sono infantil. Sono bom! Vigília boa? O lençol listrado da cama convida-me Para ficar só mais um bocadinho. Mas, eu digo-lhe: — Meu bom lençol; agradeço-lhe lá do fundo do meu coração o convite. Contudo, já é dia, é hora de levantar-me e escrever. Escrever no metal duro e xucro da lapiseira Com sua ponta amolada pela faca da sabedoria; Escrever como se encrava a palavra “Amor” Em troncos de árvores por dois psicanalíticos corações; Escrever na areia da praia; somente para ver o sal, A onda e o marulhar apagando a escrita vã e provisória… O tique-taque histérico do relógio desperta-me Do ditongo sono juvenil. Sono imo! Vigília à toa? O travesseiro esquecido na cama convida-me Para ficar só mais um tiquinho. Mas, eu digo-lhe: — Meu bom travesseiro; agradeço-lhe lá de dentro do meu ser o convite. Contudo, já é dia, é hora de levantar-me e escrever. Escrever como se engasta a faca na carne D

O meu Deboche Para Contigo, Caríssimo Amor

Edigles Guedes O meu deboche para contigo, caríssimo Amor, É o que me faz feliz! Saber que tu e somente tu, Podes fazer um homem assim tão desdenhoso Em suas palavras escritas num bloco de notas. O meu escárnio para contigo, castíssimo Amor, É o que me faz deveras feliz! Pois, sei, e só e cru Eu sei, o quanto tu és sublime e mais facecioso Do que a linguagem das tribos bípedes pernaltas. A linguagem humana é uma camisa de força? Não, jamais seria tamanha ignomínia, estupidez! Não, jamais seria o facínora de um filme das dez! A linguagem trai-se pelo amor que se devota. Sim, a linguagem do amor deposita sua cota De ciúmes no pensamento: figurinha de alcorça.

Poesia é...

Edigles Guedes Poesia é: Grão de sal fustigando o palheiro Ou agulha vergastando o saleiro? Poesia é? Chata, enfezada e turrona!… Xô, xô, vá apoquentar os cabelos De outra persona non grata ! 19-1-2010.

O Amor é Uma Destemperada Piada?

Edigles Guedes E essa tua silhueta-godê, E esses teus lábios de linho, E essa tua mão de crochê! Tudo em ti faz-me lembrar O sorriso zombeteiro e feio De uma sepultura caiada!… O amor é sempre uma piada? Esse meu humor negro, Esse meu humor leopardo, Degola-me as vistas míopes — As vistas de um bufão rabelaisiano!… Recife, 11-6-2004.

O Silêncio que Tenho

Edigles Guedes O Silêncio que tenho em mim É tão grande por dentro dele mesmo, Que chego a me assustar com sua monstruosidade! Silêncio, meu amigo, por que você não se cala no meu peito? E restam-me essas inquietações nas horas tristes, E resta-me o vestido de Rosa Estragando a minha memória, E resta-me o sufoco do dia Que de calor não quer passar. Onde está o filósofo que disse: “Um rio não passa duas vezes no mesmo lugar”? Se eu lhe pego na virada, Dou-lhe um pontapé no seu traseiro! Silêncio, meu amigo, por que você não se cala no meu peito? Desde quatorze anos que rabisco algumas linhas, As quais os outros insistem em me dizer que são poesias. Não os creio! Para mim é um desabafo reprimido, Uma lágrima inconfessa, Uma piada não contada, Um objeto não revelado… Estilhaços de mim, O barro que sobrou – Depois que a bala perdida Comeu os meus cabelos: Lisos e encaracolados. Silêncio, meu amigo, por que você se cala tão pó e cinza dentro do meu peito?

Chuva e Criança

Edigles Guedes Uma chuva pim, pim, pim, pingando — é Tão linda quanto o arco-íris da pupila de um gato. Uma criança plim, plim, plim, brincando — é Tão linda como outra criança desenhando o pôr do sol. Eu aprendi: o que há de mais simples na vida, É o que há de mais gostoso! Salgueiro, 3-1-2010.

Pode Dormir, meu Filho

Edigles Guedes Céleres, cavalgam as horas em seu cavalo árabe e branco. Em breve, a chuva desiste de existir. Pode dormir, meu filho! A noite que embrutece Já vai partir. Logo, logo, o Sol vai raiar Com sua coroa de raios a ziziar. Salgueiro, 3-1-2010.

Ainda a Confissão de um Apaixonado

Edigles Guedes Do teu corpo enfadonho, Se salva tão somente o pé: Aquele tigre-dentes-de-sabre! O teu pé não tem estrias em poliéster, O teu pé não tem celulites de algodão, O teu pé não tem jeans gordurinhas. Ó minha gute-gute, ó minha fofinha! Vamos fazer ginásticas localizadas Com halteres na mão, subindo E descendo uma escada-rolante!… Ah! afirmo e repito: o teu pé não tem defeito. Aliás, o teu pé é tão perfeito, mais tão, Que merece um prêmio de consolação: Um cascudo nos dedos mindinhos! Assim, seríamos mais íntimos e imperfeitos. Recife, 11-6-2004

Confissão de um Apaixonado

Edigles Guedes Hipe e hurra! que colo tão Sofá-cama tu possuis!… O batom do teu sorriso Faz-me rubro de vexame. O manequim do teu quadril Glugluava-me em cardume. Mas esse salgado e vinagre Do teu arredio temperamento… Abrasa-me e constrange-me; Faz-me perder o bom lume Da minha sem-razão de viver, Do meu terno pensamento Virtuoso. Ah! amores a doer! Inunda-me tão vis e ignóbeis, E torpes, e soezes sentimentos Que me põe entre os joelhos, Prostrado no teu istmo colo. Amor, como eu adormeço Nos lençóis de tuas pernas!… Amor, como eu amanheço Nas almofadas de teus ombros!… Amor, eu bastante entardeço Nos cetins de teus castos pés! Amor, caso eu assaz anoiteça Em tuas caras lágrimas carmesins, Perdoa-me pelos retratos partidos Ao meio, dependurados que foram No criado-mudo à orelha da cama… Recife, 3-6-2004/Salgueiro, 23-6-2009.

Coisas que o Dinheiro não Compra

Edigles Guedes Assistir no São Paulo Fashion Week A esquelética garota-propaganda, Gisele Bündchen, desfilando Sua esguia e esbelta magreza — Isto é, a magreza de suas pernas De tesoura que corta e costura Numa passarela da alta moda; Por exemplo, o dinheiro compra? E as garotas de programa, Entre elas Maria de Fátima, Que desfila nas calçadas Do bairro de Boa Viagem, Exibindo para o mundo inteiro Suas magras e asas nádegas De prostituta infanto-juvenil… Ah! Isso o dinheiro compra. E para todas as outras coisas? Oh, existem os cartões de crédito, Visa , Mastercard , Diners Club , American Express , Redeshop !… Todos eles amistosamente dispostos A comprar de sacola na mão A vitrine do sorriso de seu amor, O dentifrício carinho de mãe, A inoxidável paixão de sua namorada, O indubitável afeto paternal, O inolvidável afago de seu cão, A incomensurável felicidade conjugal. Lembre-se, para todas as outras coisas Existem os cartões de crédito; Eles compr

Janelas de mim

Edigles Guedes Se eu tivesse janelas de mim, Em que eu me debruçasse no parapeito, Olhando-me com olhos lânguidos, Acharia sequer da bicicleta um selim? Se eu tivesse portas de mim, em que eu me sentasse em sua escada, Olhando-me com os olhos cândidos, Acharia sequer de sorvete uma casquinha? Se eu tivesse janelas de mim, Se eu tivesse portas de mim, Montaria no mais indômito pangaré E fugiria daqui, de mim e de ti! Sim, fugiria de mim e de ti, Amor! Bastaria eu haver-me com janelas e portas. Amor — são tantos escândalos mal confessos, São tantas verdades não ditas ou ditas pela metade… Não vale a pena nós dois brigarmos. Não Se preocupe, eu já achei uma janela em mim. Eu vim pegar a minha escova de dente; Pois esta Noite eu vou partir para perto de Mim!… Salgueiro, 18-1-2010.

O Enigma de Pitágoras

Edigles Guedes Chove. E os quadrados dos Catetos É igual ao quadrado da Hipotenusa. O teorema de Pitágoras abusa De um chute no ângulo reto, E grita: — Gol!… Gol de placa!… Passa-se a Hipotenusa das horas, O Cateto oposto dos minutos, O Cateto adjacente dos segundos… Apaga-se a Garatuja de giz na sala, Onde quadronegrejava a aula. Apaga-se a Chuva que tintintinia. Mas, cá dentro, resta-nos o teorema, Tal e qual Labirinto de Minotauro: Enigma ou mistério a ser desvendado Por qualquer de tato e trato mortal… Perseu peremptoriamente perdeu A sua Alma nos braços de Andrômeda? Quem desvendará o Pitágoras? Como pode um mero número Ser irracional por dois Catetos De comprimento unitário? Salgueiro, 27-7-2008/23-6-2009.

Recordações de uma Infância Perdida

Edigles Guedes — Será este o título do livro de Proust? Gostei muito de Proust, suas orações compridas, Centopeias de letras misturadas com sopa da janta! Aquela sopa quentinha de feijão e carne de boi, Que só mãinha sabe fazer!… Eu sinto o cheiro Bom, delicioso, a água na boca derretendo-me. Acolá de fora, vinha meu pai brincar comigo. Cavalinho upa, upa, um pigarro de pega pegou, Um psiu de pular corda, uma repreensãozinha Com Amor, histórias de feliz final de semana, Abraços de braços que me sacudiam para o alto, Enquanto eu corrigia ao pé da letra o salto Imortal do passarinho em tarde de assovio. Salgueiro, 29-11-2008/23-6-2009.

Insone

Edigles Guedes Chegou. Nem sei que hora a Fera dor me consome o Sono, A dor de passar o tempo matando o Tempo sem sal de ser, Somente o insone bêbado das madrugadas alheias, Tagarelando suas chinelas pelas ruas enlameadas de Salgueiro. Salgueiro — terra que aprendi amar, deserto de minh’alma. Certa vez meu pai me disse, em confissão alheia de si: — Coração de homem é terra que ninguém anda. Todavia, eu gostaria tanto de andar pelo meu coração, Saber o que se passa no escurinho do cinema de mim. Que filme rodou entre as imagens de rançosas palavras, As quais (não, eu não!) não sei expressar em Poesia: o Beijo romântico, piegas, da atriz de novela — Desfaçatez de Pedra, ilusão de Espelhos? Embora, eu aprecie o gênero literário da novela, Não me entretenho com as telenovelas… Prefiro maquinar sonhos a viver de carona No riso e na miséria de outrem. Talvez, por isso, Poesia… Sei lá! Ultimamente, tento desvendar o meu coração: O coração do mundo, o coração das coisa

História Geral

Edigles Guedes Acabaram-se as páginas do livro de História Geral. Hitler rasgou a Alemanha, Em conflito mundial. Depois, o muro de Berlin caiu Às marteladas de um povo insone! Do outro lado, a China e sua Revolução Cultural Não deixam Mao tirar um cochilo… Como um louco anda de lá para cá, Aprisionando os que são contrários ao regime: A famosíssima dieta do prato de arroz chinês. A contorcionista inglesa tortura As tartarugas que sustentaram o mundo Com seu vômito marítimo! Acabaram-se as páginas do livro de História Geral; E, até agora, ainda não se descobriu onde fica o Brasil. Recife, 10-10-2007.