O Relógio Desperta-me

Edigles Guedes

O tique-taque frenético do relógio desperta-me
Do mocorongo sono infantil. Sono bom! Vigília boa?
O lençol listrado da cama convida-me
Para ficar só mais um bocadinho. Mas, eu digo-lhe:
— Meu bom lençol; agradeço-lhe lá do fundo do meu coração o convite.
Contudo, já é dia, é hora de levantar-me e escrever.

Escrever no metal duro e xucro da lapiseira
Com sua ponta amolada pela faca da sabedoria;
Escrever como se encrava a palavra “Amor”
Em troncos de árvores por dois psicanalíticos corações;
Escrever na areia da praia; somente para ver o sal,
A onda e o marulhar apagando a escrita vã e provisória…

O tique-taque histérico do relógio desperta-me
Do ditongo sono juvenil. Sono imo! Vigília à toa?
O travesseiro esquecido na cama convida-me
Para ficar só mais um tiquinho. Mas, eu digo-lhe:
— Meu bom travesseiro; agradeço-lhe lá de dentro do meu ser o convite.
Contudo, já é dia, é hora de levantar-me e escrever.

Escrever como se engasta a faca na carne
Da navalha, na salada de frutas, na refeição do dia;
Escrever como criança a brincar de batalha-naval;
Porta-aviões e contratorpedeiros explorando o fundo do mar?
Escrever como o mergulho do albatroz-real
Dentro do abismo da cidade que há em mim!…

O tique-taque insano do relógio desperta-me
Do camundongo sono anil. Sono lagoa! Vigília névoa?
O colchão ortopédico, parecendo um ortodontista,
Convida-me para ficar só um tempinho. Mas, eu digo-lhe:
— Meu bom colchão; agradeço-lhe lá das entranhas da minh’alma o convite.
Contudo, já é dia, é hora de levantar-me e escrever.

20-1-2010.

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