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Mostrando postagens de fevereiro, 2019

Sôfrego e Trôpego

No primeiro bar de esquina, Hoje, inda hoje, te prometo Solenemente, de pés juntos, Mão deitada sobre a Bíblia, Como fazem nos tribunais. Vou encher a cara de poesia, Vou tomar todos os porres poéticos, E chegar em casa trambecando, Como fazem as moscas ébrias. E a cada passo claudicante, Entupirei os esgotos da rua, Com meu vômito mudo de poemas. E me lambuzarei todo em meu próprio E descabido vômito, Como fazem os porcos, Por amor surdo à lama, Porque só assim eu me vingarei do mundo… Mundo que só me deu duas coisas: — Escarro e gripe! Mas, eu também não fui santo, Devolvi-lhe o melhor de mim: — Este cuspe sôfrego E este poema trôpego! Autor: Edigles Guedes.

Boca no Trombone

Vamos pôr a boca no trombone! — Sol a culpa é tua! Por não brilhares intensamente, A tristura aconchegou-se No meu coração enxota-moscas. Vamos pôr a boca no trombone! — Lua a culpa é tua! Por não cantares as canções mais Agres de ninar, A tristura aprochegou-se De mim e fez guarida no meu Coração enxota-moscas. Autor: Edigles Guedes.

A Lei

Certa feita, Fulana me disse: — E você tem coragem pra debochar de mim? Corrijo-a, instantaneamente, Para não perder o fôlego: — De mim, de ti, de nós e do mundo; Senão debocho, morro! Subo o morro e não me canso, Pois subo de carro ou de trem; A pé, sequer nos sonhos! É a lei: Dente sem dente, olho de molho. Autor: Edigles Guedes.

Vá! Eu vou...

Vá! Vá! Vá! Pise fundo no acelerador! Fure os sinais de trânsito! Atropele os pedestres! Não se importe com os postes De iluminação pública! Deixar barato o hidrante? Nem que fosse no sonho Com a fada madrinha. Calçada é estrada! Suba no meio-fio! Que os outros comam poeira! Atravesse o mundo em lisos pneus rinchantes… Eu, que sou prudentíssimo como as serpentes, Vou de táxi. Autor: Edigles Guedes.

Sorriso e Motor

Demais desejo O teu sorriso de mobília Inteira, sem faltar um pedaço Sequer do fruto consentido De poucos beijos. A solta e voa cabeleira, por janela Do carro a cento e tantos quilômetros por hora, Até que pneu derrapa, e a gente bota o pé no mundo. Mas morre não. Que susto da vida! Motor suspira. Autor: Edigles Guedes.

Pássaro

Cuido que não sucedeu manhã, Se bem que um pássaro chilreou. Janela sonsa que despertou O Sol de sua órbita celeste. A meu ver, não sucede manhã, Porquanto meus olhos se baldaram De tuas lágrimas, que escorriam Da tua fronte afora, caindo No meu regaço, abrigo de bruta Falácia; tu, porém, não te deixas… O engodo em boca desvanecer. O Sol, fulgente e bravo, por sorte Enxerga o teu rosto tão regado Das águas — mordem as duras mágoas! O astro, veraz na constelação, Estreita as mãos para te abraçar. Chamejo os ciúmes, e cuspo a fúria, Desato o fogo, trovão de amor. Digo-te o quê? Pássaro chilreante? O simples: não o vi, tão somente Escuto um lindo cicio de canto, Deitado à casa com sua janela. Autor: Edigles Guedes.

Inteiro

Ah! O conceber-me por inteiro, Quando, em verdade, sou metade Da metade do inteiro fútil, Que não sou. Nunca inteiro sonho Em ser; se não me cabe, ponho Na fronte aquele inexpressivo Til, como tal chapéu de palha Do campônio tão vespertino. Ah! O cindir-me entre inteiro e não, Que não cabem nos livros vesgos De matemática, de páginas Marcadas, ressabiados, frustros, Orelhas queimadas por dedos Lépidos, ao virar a folha Qualquer, de medo ou avidez. Medo que o dia acabe em nada, Sem leitura na tabuada Dos números da fina vida. Avidez de quem sofre a gula Dos segundos tão raros, díspares. E eu que não sou veraz inteiro, Cheio de muitas e lutas lástimas, Vivo de rastejar meu corpo Por entre ruas e tetos caros, Por drope flor espezinhada E jardim tão despedaçado!… Espatifado por patifes, Que desconhecem o prazer Do singelo cheiro da flor!… Ruge coração por amor, Que se foi, sem dizer adeus, Sem ponto final, sem o Nada! Autor: Edigles Guedes.

Cachoeira

O que é que eterna cachoeira Sabe? Sabe do escorrer Por entre rochas, às vezes, As rochas secas e agrestes; Sabe o pular literal Dessas rochas méis, às vezes, Umas rochas rudas e íngremes. Foi à toa que cachoeira Virou anos e anos a fio De faca sorte, no curral Das ideias da Natureza? Só pra soletrar o escorrer Miúdo de criança em escorrego? Depois, soletrar entre rochas O conhecer do pular Por entre rochas, as outras? Não. Pensar em desperdício Jamais, a Natureza é Frugal, como ínvido pulo De gato, por um instinto Que lhe é tão circumpolar. Autor: Edigles Guedes.

Albergou-se Sentimento

Albergou-se, cá, em mim… Um sentimento inédito: Não era o sentimento Costumeiro de tédio, Não era o sentimento Toureiro do nirvana… Albergou-se, cá, em mim… E não paga aluguel, E não faz um contrato De locação por tempo Determinado, como Locatário oportuno… Albergou-se, cá, em mim… E jamais quer saber De sair, nem que seja Para uma caminhada Na esquina da avenida, Para ver o passear Das pernas de ciclistas… Albergou-se, cá, em mim… Nem pensar em sair, Por um triz de minuto, Que fosse ou transmigrasse. Eu, que sou locador Desse sentir avesso, Perquiro aos meus botões: — Onde é que fica o berço?… Autor: Edigles Guedes.

Ulisses e a Dama do Laço

Chamo-te infinitas vezes pra dentro Do quarto, dormir, calma das mobílias. E vezes infindas me denegaste O vir para meus braços tão carentes… Carentes de quem? Ah! Dama do laço… Por que me negaste o vir para meus Braços, se te chamam fragosamente? Como chama ou flâmula tão pequena, Mas que me formiga, meiga morena E sirena, serena da sereia De Homero, olvido na estante de casa. Ah! Ulisses de volta ao deleite, leito Com muito amor… Amor por sua Penélope, Amor por Ítaca; e Ítaca conserva-se Tão longe, que pena o coração doído; E Penélope está tão longe, longe, É somente um nome perdido ao vento, Que sussurra logo um pedido isento. Ah! Esse Ulisses largou de uma existência Com riscoso riso na prateleira… Autor: Edigles Guedes.

Quando te vi…

Quando te vi, meu coração disparou Desembestadamente, cavalo afoito Por campo verdejante e dia luzente. Minto, não te vi, pois estava tão cego De amor, que desmaiaram as minhas vistas No teu colo sereno, seixo e flautista. Autor: Edigles Guedes

Liquidificador e Suco

Exprimir-me, como esse liquidificador… Sentir-me completo, vasto e tão vulgarmente útil… Tirar-me os grilhões, que me atam ao chão, que prolongue… Sacudir-me a roupa, jogando o pó para longe… Perder-me inteiramente num proferido soco… Achar-me, no mínimo, as partes num esculpido… Extrair o delicioso suco De intragável fruta, manhã fútil… Fútil vida de quem merece alto Os haustos da delinquida aurora… Regato rumoreja os tardios Passos da água por rocha, com brios… Autor: Edigles Guedes.

Lutas Inglórias

Brinque e pinique com meu coração risível… Andarilha, navega por terras de carnes Opulentas; teu corpo fascinante… raça De carnívora, que me devoras as pernas; Víbora, com sua língua tão bipartida, Me consomes; prudentíssima cascavel… Os beijos mais sílfides, que agora provei; E jungidos em colcha de penas, dormimos; Amanhecemos, tão sorridentes, fagueiros; De tuas mãos e carícias mil não me privo… Jamais! Jamais! Jamais! Jamais! Repito o silvo, Por longa, densa, enfática e errática, salvo A selva — mansuetude em flecha arcaica no alvo; Saliva que me nutro, como leite níveo Nos lábios do bebê nu — regaço de mãe; Da tua boca, sorvo mais o hálito puro Das manhãs e neblinas que vagam aqui; E mergulho fundo nas proezas de teus braços; Façanhas provocam-me em suspiros, delírios, Que me incutes pelos lençóis alvinitentes; De tua entranha arranco os agudos suplícios; Ah! carne de proezas, que me fazes gemer De gozo infindo, abocanho-te, gemebundo; Mastigo tuas pa

Disparo Despido

Ao longe, ouço um disparo despido, Não é de fuzil, nem de pistola, Nem de revólver da artilharia… É um disparo desesperançado De coração partido por dores… Angustiado por não amar O suficiente, para suprir As copiosas atenções de quem Confessa que seja o seu tesouro… Lá fora, soa a voz de mamãe… Angustiado por não amar O suficiente um mundo pequeno E frágil que mal cabe na palma De sua mão, tão colossal e sábia… Lá fora, sopra uma brisa calma… Partido coração se quebrou Em cacos mil, como vaso azul De porcelana, tão estimado Por mim, olvido nas folhas secas De um livro de outrora, sobre estante. Celebremos, vamos! O partido Coração, que intransitivo, caiu De tão maduro, não se susteve Em árvore alguma, antes, deteve, Quanto pode, o disparo despido! Autor: Edigles Guedes.

Calo e Sopapo

Caso pise no calo De algum desavisado, Este lhe retribui O favor merecido E empresta-lhe um sopapo, No meio do focinho Ou no pé da barriga. Por que escrevo logo isto? Pego-me a indagar, De vez em quando, sobre Estas fúteis questões. Digo, não me interessa Pisar no pé de alguém, Seja incauto parente Ou seja um aderente, Não me interessa o soco, Emprestado com juros, Correção monetária Dos bancos, que não são De praças (e repúblicas?), Nem bancos de esperas Dos hospitais ou clínicas, Para exame de próstata Ou glândulas mamárias. Nunca! O que me importa É este do pisar O ímpeto do pé alheio, É este do fervor Do soco na barriga De outrem, desconhecido, Quem não goza do travo Tão salgado e tão doce Da amizade invocada. Toda ação formidável Vale, ao menos, um beijo Na orelha de uma moça Ou beijo roubado De noiva, que debanda Infrene dum altar? Autor: Edigles Guedes.

Soco Poética

Eu amo um soco bem-dado; Não amo o soco dos pugilistas, Nem amo o soco dos lutadores De vale-tudo, nudez dos corpos. Jamais! São socos prosaicos, Com muito sangue espirrando, Com hematomas à flor da pele. — Desperdício de violência Gratuita e barata de fim de Semana, com curtição às tantas! O soco que eu amo, De cor e salteado, É o soco do chinês. Que soco tão poético! Tira a gente do chão, Faz viajar por espaço infindo, E, depois, joga-o na cadeira Abaixo, estupefacto: sem Fôlego, sem sangue jorrar, sem Hematoma, sem violência — Tão somente um borrão De soco, e nada mais… De fato, imperceptível Às câmeras de vídeo! Intangível ao tato Tartamudo das horas! Poesia é assim, não Se rende aos olhos nus, Nem aos microscópios Das inteligências alheias; Todavia, põe cabisbaixo O sujeito, depois de um longo Passeio pelo espaço, Aliás, destrançá-lo Da poltrona do chão! Autor: Edigles Guedes.

Passeavas

(Rondó II) Passeavas entre flores, Qual cantava sus! canário, Álacre, entre pedra e rio, Numa tarde bonançosa. Umbuzeiro, que te viu, Abismou e, ao alvedrio, Protestou muito arredio: — Que mulher assaz cheirosa! Que perfume ela usa? Incendeia esse cenário. Ela deixa, de ordinário, As palavras graciosas! Passeavas entre flores, Qual cantava sus! canário, Álacre, entre pedra e rio, Numa tarde bonançosa. Eu? Falar o quê de mim? Prisioneiro de desvario Serei sempre; e se, por sóbrio, Logo digo: — Ó mimosa, Dá-me o nobre coração! Você, lá, responde no átrio: — Me desgosta o locatário De intenção pretensiosa! Passeavas entre flores, Qual cantava sus! canário, Álacre, entre pedra e rio, Numa tarde bonançosa. O porquê não sei… Me perco Entre o lírio e o martírio Por amar-te em delírio, Benquerença amorosa! Porém, és a desalmada Que me faz sentir calafrio, Ao pisar em sedentário Coração sem meigas rosas. Passeavas entre flores, Qual cantava sus