A Ponte de Kafka

Edigles Guedes

Eu era lâmina de vidro em parapeito de aço, eu era laranja mecânica em chassi de casa;
Estendido, cochilava, sobre um arco-íris e flecha de relâmpago eu estava.
Ao sul, eu finquei as pontas dos meus pés em rocha tão doce de leite e sedentária;
Ao norte, a minha cabeça, eu encravei em sentimentos tão grudes e sedimentares;
Ao leste, o meu direito braço, eu incrustei em pensamentos tão fugazes e magmáticos;
Ao oeste, o meu esquerdo braço, eu enfurnei em contentamentos tão ameixas e [metamórficos.
Mordi o lodo quebradiço da rocha vulcânica, em que me apoiava. Embaixo de mim, sorria [um
Riacho, límpido e tímido, de águas gélidas. Fiquei plutônico, quando vi um homem:
Engenheiro, decerto. Ele me vociferou: — Ergue-te, Ponte, não te cambaleias, dá-te a [conhecer
Como se fosse um monstro enciclopédico da Idade Média, em que figuras nalgum [palimpsesto!
Ele veio e me golpeou. Era uma enxada, aquilo? Era uma pá, aquilo? Ou era uma varinha de
Condão, aquilo? Com a ponta de seu bastão, me andou pelo dorso, me assanhou o cabelo,
E desgrenhou seus bárbaros olhos e indomesticáveis sobre mim. Por fim, pulou-me as [costelas
Que de Adão quase eu caí no chão. Me desabei? Quem, sinceramente, era? Um pesadelo de [Kafka?
Um complexo de Édipo de Freud? Um complexo de Electra de Jung? Um desejo de Jacques [Lacan?
E me voltei pra vê-lo, foi aí que me derreti feito sorvete de banana com marshmallow. Ah, [que delícia!

Salgueiro, 4-2-2010.

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