Um Homem Comum e seu Estresse

Edigles Guedes

Era um homem comum e nada
Mais que isso? Trazia consigo
Sua pasta de escritório, e alma
Burocrática de domingo,
E barba escanhoada, sem perigo.

Ou levava consigo a voz
De astronauta do asfalto liso,
Ou a voz da natureza-morta,
Sem risco, sem riso, sem siso?
Sim, trazia consigo um bico

De papagaio, presente das
Horas extras no escritório,
Sentado à escrivaninha assada.
Levava consigo as suas
Hemorroidas crisálidas;

Alguns comprimidos para
Hipertensão; outros, diabetes.
Não sabia da alta na bolsa
De valores, não sabia desse
Inominável estresse…

Atrasado para o jantar,
Deu com a mão o sinal ao ônibus.
O ônibus parou? Não parou!
E ele perdeu o primeiro,
O segundo e o terceiro…

No quarto e derradeiro,
Ele se afobou de vez.
Entrou pela porta dos fundos,
Não pagou passagem, porquanto
Estava aflito. Por cinco

Anos consecutivos
Perdera o aniversário
De seu único filho querido.
E tudo quanto recebia
De parco salário

Não dava para pagar
As contas de água ou de luz,
O famigerado débito
No cartão de crédito,
O aluguel e o condomínio

Do apartamento sem luxo,
Nem sequer o cheque especial.
O motorista (legal
À beça!) fechou a porta
Na cara feia do sujeito.

E quantas se fecham na cara
Da gente! Fecha-se a porta
Do primeiro emprego;
Fecha-se a porta da outra
Faculdade, pois a primeira

É a vida, que nos ensina
A chorar de desgosto
Ou parir o choro da sina.
Mas o homem comum é um forte,
Tal como disse o Euclides.

E, antes de tudo, agarrou-se
Com gosto de gás butano
Ao ônibus e não o deixou partir
Sem si. Verdadeiro triunfo
Das caninas mãos a latir!

O motorista deu uma
De desavisado: pé na
Tábua, pé no breque, pernas
Pra que te quero – chutou
O automotor sem dó nem pena.

O busão surfava
Entre um sinal de trânsito
E um apito do guarda;
O busão: jacaré ancho
Fora d’água, palito

De dentes sem madeira!
Capengando com eira
Sem beira, lá vai o busão!
Não temia a chuva nem o sol;
Não temia o girassol

Nem o abutre em seu peneirar
Nas nuvens com flocos de cristais;
Não temia a fome, ainda que
Desse aquele nó sem sais
Na barriga amarela;

Não temia a sede, que crassa
No sertão com rede servindo
De caixão – sepultura rasa.
Contudo, o motorista era
Um ser precariamente humano,

Tão frágil quanto finito:
Sofria em suas horas escassas!
Porque de sofrer em sofrer
Gira a roda da vida,
Ainda que tão mesquinha.

Enquanto isso, sentado
Em sua cadeira comportada,
Lá estava o homem comum. Dentro
De si ainda há pouco relutava
Devia-se reagir ou não, diante

De tamanho vitupério.
Cabeça de prego deletério
(Cabeça dura que era)
Martelou por um breve
E bravo momento. Será

Que valia a pena o que iria
Fazer? De repente, um estalo:
A vida é deitar-se num bangalô
Ou é simplesmente comer o bagaço
Dessa cana sem açúcar?

Aí, ele não disse chus nem bus,
Pegou da cigarra e apertou
O cordão que a acionava.
Com o resto de força que sobrou
Saltou do ônibus num bus

De canhão da esquadra de Cabral.
Porém, atrás deixou um rastro
De incêndio e de dor sem cotovelo.
Pois, enquanto o motorista
Acionava os freios, com desvelo,

O homem comum entornou
Seu líquido ódio branco
De álcool na cadeira de
Plástico do dito ônibus!
Labaredas de fúria

E cólera, e gana, e iracúndia,
Lamberam todo o ônibus.
Pouco ou quase nada restou:
Um motorista aguado
E passageiros sem motor!

Escorrega o homem comum
Por uma perna de pinto
E sai por uma perna de pato,
E da mesma forma que existiu
Largou de existir de fato.

26-8-2010

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