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Mar

1 Por questão de lã de cágado, Presumi: volúvel mar É que destramela a língua De onda sobre si; calar? Está longe seus pensares, Quando me atenho do amar, Esse verbo tão cativo, Quanto canção de ninar; Contudo, a estreito ver, Em mim, não quer do romper As cordas que desatrelam O fluido voo tão ávido De pássaro, por ninguém. 2 Mar, que volúvel, de volta E vai, refaz seu percurso Por pássaro de viajante, Sem demasiadas as farsas De uma aventura qualquer, Festejada nas do tempo Suas teias, que me amanha, Tal como aranha sem mapa Ou bicho miúdo e qualquer, Escravo do rastejar Putrescível, muito cravo E espinho é seu caminhar, Agravo que me põe nervo. 3 Mar: a língua de suas ondas, Ebrifestivos ventos Deixam-me víneo de ver Bulício das águas antes E depois, redondos círculos, Que se abrasam, feito coito Animal, com sua pureza E avareza igual, aceita A nudez de corpos tantos, Que amor fez questão de junto Amalgamar — fúria e fleuma, Únic

Cristalino

Eu distingo teu rosto Cristalino de mágoas. Antes que fosse rosto De melhor cristalino, Que pinte o desfortúnio Com tinta mais fortuita De pintor conhecido Por incógnito estilo Da crítica ferida. Quiçá ser cristalino Do mar e suas águas, Que me ensaboam; pranto De suor, sal e sol; Dia vindouro: porto, Onde atraca pavio, Curto ou comprido; olvido, C onforme cruz de enxeco, Que cada qual carrega. Quiçá de cristalino O rio e suas águas, Que me banha de seu O sangue demais doces, Que me banha intestino De quem profuso falta, Por amor ou calar, Derradeiro perdoar. Quiçá do cristalino Que existe no metal, No metal rija faca, Que tanto me consterna, Quanto me sarapanta, Em sua baba de fúria, Em sua boba lamúria, Em sua boca a secura. Quiçá esse cristalino, Que existe no cristal, De nome ou exercício, Sem outro de si igual: Impermisto, acessível, Carrasco por mingau, Que na boca dilui A coisa que era tal. Porém, não! No teu rosto Havia o cris

Percevejo

Ó percevejo, amigo, Por onde andejas? Se não te vejo mais, Nem por um breve Instante, seja vindo Ou indo, nas ruas feitas Por mãos humanas! Ó percevejo, amigo, Por onde cantas? Se desdá som de vozes, Demais distantes, Tão benquistas a mim, Como flor de jardim, Dentro da estufa! Autor: Edigles Guedes.

Azul no Horizonte

Azulei no horizonte, De ti fiquei distante, Mas não distante calvo, De dística distância… Isto nunca! Distante: Que se perde na linha Do enigma desse dia, Tão claro, tão escuro! Eis que distância fez-se Fora da mão, de palmo De terra, onde se pisa, Cada qual com seu ramo De oliveira, em hosana, Dita para as alturas — Cavaleiro sem elmo… Pisar: onde frituras É capaz de coser O tempo na ponta hirta Da agulha de crochê, Que dorme em cesto Tão costureiro, Quanto me presto!… Azulei no horizonte, E o azul virou anil. Tenho curto pavio. A vida é curta Ou de longa-metragem? Filme de faroeste Ou de terror nas veias De quem a assiste passar, Por destrancado No quarto de dormir, Sonhando com feliz, De tão desinfeliz?… Felicidade, não vem?… Autor: Edigles Guedes.

Beijo em Apenso

Na ponta daquela língua, Há dito preso nas grades Do pensamento, por dentro Do cérebro matutino, Que desperta madrugadas De pássaros ressentidos, À janela de uma casa… Engasgado na goela, Pinga uma gota amarela De pus ou gangrena, tísica Que mastiga a metafísica Das horas de rouxinol, Quando sopeava no sol E, de roxo, se despela… Entortado na moela, Demasiado me engasta Esta sorte tão madrasta!… O sorriso, que tigela Não quis brindar à panela, Floriu em teus lábios densos: Um beijo parvo em apenso… Autor: Edigles Guedes.

Semelhante

De vez em quando, alguém me lembra dos meus semelhantes… Eu me pergunto, cá, com os meus botões: — Quem seria Semelhante a mim, se tão díspar eu sou de mim mesmo? Quantos viram o gato mirabolante de Alice, Zombando, à distância bruta, com seu riso galhofo, Isto ao vivo e a cores, sem aparelho tevê? Quantos ouviram o sussurrar de pedras viandantes, Aos seus pés; entretanto, ao virar-se para sondá-las, Não encontra nada — simplesmente nada por caldo Ou vírgula — , além do simples chão prosaico, de costas Dadas, ao pisar hesitante de meus próprios pés? Semelhantes a quem? Se até os ouvidos, nutridos De surdez, querem me fazer de palhaço de circo? Semelhantes a quem? Se até sentido da visão, Desprovido de seu senso crítico, me faz bobo Da corte de algum rei, que de tão bom, torna-se déspota? Quem seria semelhante a mim, Se tão contrário aos seres eu sou? Autor: Edigles Guedes.

Rabiscos no Livro

Hoje, fui bater pernas, Como quem não quer nada; As pernas automáticas Me levaram ao sebo, Onde se vende uns livros Puídos, ora mofados, Ora sujos de poeira Antiquíssima, pois, Perdida por aurora Em tempos tão distantes. Me encantei pela capa, Fútil livro qualquer, Tudo indica que velho, Rabugento, matreiro, Solto às traças das horas, Dado às baratas sérias, Que passeavam sórdidas Nas prateleiras bambas De pés, sem a firmeza De costume ou destreza. Minha mão claudicante Pousou naquelas páginas Tão empalidecidas… Ao meu toque de bruto Ogro, desabrochou A flor deslumbradora Das letras cativantes. Rendi-me, então, pasmado: Duro piscar de pálpebras, Comprei o livro. Súbito, Arrochei minhas vistas Numa pequena mácula; Aliás, não era mácula, Mas, sim, miúdos rabiscos Na introdução do livro. Meu coração padece, De furta-dor, me sinto Como quem levou pito. O vendedor passou-me A perna, vendeu gato Por lebre. Nada obstante, Ao reparar no traço, Q