Rabiscos no Livro



Hoje, fui bater pernas,
Como quem não quer nada;
As pernas automáticas
Me levaram ao sebo,
Onde se vende uns livros
Puídos, ora mofados,
Ora sujos de poeira
Antiquíssima, pois,
Perdida por aurora
Em tempos tão distantes.

Me encantei pela capa,
Fútil livro qualquer,
Tudo indica que velho,
Rabugento, matreiro,
Solto às traças das horas,
Dado às baratas sérias,
Que passeavam sórdidas
Nas prateleiras bambas
De pés, sem a firmeza
De costume ou destreza.

Minha mão claudicante
Pousou naquelas páginas
Tão empalidecidas…
Ao meu toque de bruto
Ogro, desabrochou
A flor deslumbradora
Das letras cativantes.
Rendi-me, então, pasmado:
Duro piscar de pálpebras,
Comprei o livro. Súbito,

Arrochei minhas vistas
Numa pequena mácula;
Aliás, não era mácula,
Mas, sim, miúdos rabiscos
Na introdução do livro.
Meu coração padece,
De furta-dor, me sinto
Como quem levou pito.
O vendedor passou-me
A perna, vendeu gato

Por lebre. Nada obstante,
Ao reparar no traço,
Que perfaziam círculos
Descontínuos, notei
Que vieram de criança.
Coração compungiu-se:
Antes, engazupar-me
Por rabiscos de infante
Do que por vendedor,
Encardido por traças!

Autor: Edigles Guedes.


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