Um Rato

Edigles Guedes

Ele chega de mansinho,
Calça os quartos de lã,
Calça a vida de roído
E dor subjacente ao dia,
Que vomita suas fezes.

É pequeno do tamanho
De uma amarela febre,
Rápido como uma travessura
De criança, que nem lebre
Em manha de pernas e salto.

De pelos crespos e mornos,
De sangue quente como touro,
Persegue coisas miúdas sem valor,
Restos de pão e ternura,
Que caem da mesa do dono.

− Meu patrão, com quantos paus se mata um rato?

Roedor compulsivo,
Não fecha a boca
Por um instante sequer,
Rói cadeira, mesa,
Rói escombros de chão,

Rói a pia que pinga
Violão de som na manhã,
Rói as horas graves na caixa
De presente do relógio
Na parede cor de pêssego,

Rói as folhas e serpentinas
Dos livros caducos,
Irremediavelmente caducos,
Rói até as esquinas
Da água potável na sanitária bacia.

− Meu patrão, com quantos paus se mata um rato?

Ratos – pragas urbanas!
De mamíferas mãos
Manuseando os móveis
Tão imóveis quanto merencórios;
Manuseando o tato

Da dura pedra de mármore
Na sala de estar;
Manuseando o concreto
Da alma das horas
Sonâmbulas dentro do relógio.

Sobras, sobras – e tudo
São sobras, que caem
Da mesa do dono. Quem é esse
Dono? Que não dá as caras,
Que não dar um palpite sequer!…

− Meu patrão, com quantos paus se mata um rato?

2-9-2010

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